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Espetacularização do Processo Penal

Para você, a mídia exerce influências no processo penal?

Olá, caro leitor. Como estão as novelas e minisséries da Netflix? Eu, particularmente, sempre gosto de aproveitar os dias livres no catálogo da Netflix (sem qualquer tipo de merchandising). Por ser advogado criminalista e, principalmente, militante, sempre busco por filmes, séries e documentários que envolvam a minha atuação.

O tema investigação, crime, políticos e popstar é um case de sucesso para Hollywood, trazendo audiências inimagináveis. No entanto, o presente texto não tem como objeto a elaboração de uma resenha crítica, tampouco, conselhos para os grandes produtores de Hollywood. O presente texto visa ilustrar as consequências reais que o show business traz ao processo e ao Acusado.

O espetáculo é uma construção social, ou seja, uma relação intersubjetiva, cujo consumidor (humano) exerce a dupla função de: atuar e assistir. Influenciando, portanto, o desenvolvimento do entretenimento/show e sendo influenciado pelo entretenimento. Entendeu? Te explico.

A indústria midiática precisa de audiência para obter o retorno financeiro, logo, existem inúmeros profissionais/algoritmos que definem o grau de interesse de uma sociedade por determinado tema. Assim, desde a década de 80 e até os dias atuais, o case de sucesso da indústria de telecomunicação passou a ser os julgamentos criminais, cujo telespectador fica atento a sua tela torcendo pela tão sonhada JUSTIÇA.

Ressalva-se, na maior parte do globo, a persecução/processo penal é SIGILOSA, a fim de evitar influências externas.

Por essa razão, a espetacularização do processo penal é uma marcante e infeliz aventura jurídica propagada irresponsavelmente pelos meios de comunicação, visando, tão somente, uma audiência que resulta em inúmeros casos de injustiça e manipulação social. Exemplifico.

Na década de 1990, os Estados Unidos presenciaram aquele que foi um dos julgamentos mais polêmicos da história norte-americana, ficando conhecido como o Trial of the Century (O julgamento do século).

Trata-se do julgamento de O.J.Simspon, então astro do futebol americano –esporte mais popular dos Estados Unidos-, que, à época, foi acusado pelos assassinatos de sua ex-esposa Nicole Brown e Ronald Goldman.

The Juice, como era conhecido, foi responsável por uma das maiores audiências da história dos Estados Unidos em um emblemático julgamento que foi televisionado durante frenéticos 134 dias. Apesar da grande quantidade de evidências, a tese de defesa se apoiou em temas bastante polêmico nos Estados Unidos (racismo) e utilizou-se da mídia para inflamar a sociedade.

É importante ressaltar que os Estados Unidos vivia um período extremamente conflituoso e polarizado, cuja sociedade se dividiu em razão dos conflitos raciais. Assim, o processo foi televisionado para os 50 estados norte-americanos, gerando uma expectativa diária de qual seria o seu fim.

O resultado foi a absolvição. A sentença é vista até os dias atuais como uma decisão extremamente influenciada pela força da mídia e, sobretudo, pela pressão popular. Uma novela real, com pessoas reais, com enredo e com final trágico.

No enredo brasileiro, o case de sucesso se deu na Operação Lava-Jato, quando o então Juiz Sérgio Moro divulgou uma conversa que envolvia o ex-presidente e atual presidente Dilma Rousseff. Na conversa, era explicita intenção da Presidente (a) em nomear o então ex-presidente como Ministro da Casa Civil, a fim de remeter o processo tramitava na 13ª Vara de Curitiba ao Supremo Tribunal Federal.

Começava uma discussão que perdura até os dias atuais (2020), sendo divulgado, diariamente, notícias acerca do processo do ex-presidente, que, por sua vez, contrasta com a regra do sigilo.

Segundo o professor Nilo Batista, a espetacularização do processo penal não é uma novidade. Vejamos:

“ [..] A espetacularização do processo penal não é novidade. Na Inquisição, a colheita de provas e o julgamento eram sigilosos. Falsas delações e torturas são eficientes na obscuridade; a festa era a execução da pena de morte. Com a adoção da pena de prisão, a execução numa cela tornou-se uma rotina sem apelo jornalístico. O espetáculo deslocou-se para a investigação e o julgamento. Basta ligar a TV à tarde: deploráveis reality shows policiais, nos quais suspeitos são exibidos e achincalhados por âncoras “policizados”. Diz a Constituição inutilmente que “é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”, garantia repetida pelo Código Penal e pela Lei de Execução Penal. Mas é no noticiário “sério” sobre inquéritos e ações penais que reside um grave problema, opondo a liberdade de comunicação à presunção de inocência e ao direito ao julgamento justo. A liberdade de imprensa geralmente prevalece sobre o direito à privacidade. Contudo, quando o confronto se dá com a presunção de inocência e o direito ao julgamento justo, a solução é distinta, como se constata em países democráticos”.(BATISTA, NILO Jornal GGN, Online: https://jornalggn.com.br/justiça/imprensaea-espetacularizacao-do-processo-penal-por-nilo-batista/)

Não obstante, Rubens Casara (2016) alerta para os riscos que tal medida pode acarretar as garantias fundamentais do indivíduo, conforme explica:

“[…] No processo espetacular desaparece o diálogo, a construção dialética da solução do caso penal a partir da atividade das partes, substituído pelo discurso dirigido pelo juiz: um discurso construído para agradar às maiorias de ocasião, forjadas pelos meios de comunicação de massa, em detrimento da função contramajoritária de concretizar os direitos fundamentais (o Poder Judiciário, para concretizar direitos fundamentais, deveria julgar contra a vontade da maioria). Para utilizar a terminologia proposta por Flusser, pode-se identificar o Sistema de Justiça Criminal como um “aparelho” destinado a fazer funcionar o “programa” do espetáculo (FLUSSER, 2011). Programa, vale dizer, adequado à tradição em que está inserido o ator-espectador: um programa autoritário feito para pessoas que se acostumaram com o autoritarismo, que acreditam na força, em detrimento do conhecimento, para solucionar os mais diversos e complexos problemas sociais e que percebem os direitos fundamentais como obstáculos à eficiência do Estado e do mercado. No processo penal do espetáculo, o desejo de democracia é substituído pelo “desejo de audiência” (CASARA, Rubens. A espetacularização do processo penal. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo, ano 24, vol. 122, p.206-210, ago. 2016).- grifo nosso

Portanto, o grande dilema da Operação Lava-Jato é o que segue: a espetacularização influenciou o resultado da investigação?

A resposta somente a história nos dará, afinal, ainda vivemos uma democracia embrionária, cujos direitos individuais são constantemente feridos, cabendo, portanto, ao Estado e a nós (indivíduos) a solidificação de tais institutos democráticos.

Por fim, por ter lido o texto até o fim, te indicarei uma série (possui no Netflix). Assistam “O POVO CONTRA O.J SIMPSON”, sendo narrado de forma espetacular o supracitado caso de O.J SIMPSON, nos permitindo, assim, entender um pouco mais sobre os prejuízos que a espetacularização causa ao due legal process.

Espero que tenham gostado. Forte abraço!

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